Ressuscitação neonatal – A criança gelada
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novembro 6, 2017Traqueostomia de emergência
Eram cinco horas da tarde e fomos chamados para atender a um chamado para um homem de 46 anos que havia caído de um poste onde estava trocando uma lâmpada.
Ao chegarmos no local observamos que o poste tinha a altura de um poste convencional de iluminação pública e o referido homem já havia sido levado para o interior de uma unidade básica de saúde onde os funcionários tentavam prestar os primeiros socorros.
A maior prioridade no trauma é abrir as vias aéreas
Para o atendimento de vítimas de trauma seguimos um protocolo em que as primeiras ações são definidas pelas letras A, B, C, D e E, começamos sempre pela letra A que significa “Airway”, ou seja, precisamos começar abrindo as vias aéreas pois a falta de oxigenação é o que mais rapidamente mata uma vítima de trauma.
Ao avaliar as vias aéreas do paciente percebi que o homem havia fraturado a face de maneira tão grave que estava sendo impedido de respirar pois a própria anatomia do seu rosto estava obstruindo a passagem do ar, tinha uma fratura exposta na mandíbula e diversas fraturas na face, assim além de deformação da anatomia, havia muito sangue.
Quando as vias aéreas estão obstruídas, o paciente perde 10% de chance de sobreviver a cada minuto que passa
Solicitei o material para realizar uma “cricotireoidostomia”, conhecida popularmente como traqueostomia de emergência, enquanto isso a enfermeira foi colocando os monitores necessários no paciente. O monitor cardíaco mostrava que a freqüência do coração estava ficando cada vez mais baixa, isso ocorre devido a hipóxia (falta de oxigênio nos tecidos) e caso um caminho para que o ar cheguasse aos pulmões não fosse estabelecido rapidamente o paciente inevitavelmente iria morrer, a cada minuto que um paciente permanece sem respirar correspondem a menos 10% de chance de sobreviver.
O procedimento cirúrgico é delicado e deve ser feito rapidamente
A técnica começa pela identificação das estruturas anatômicas, palpa-se a cartilagem tireóide (conhecida como “Pomo de Adão”) e desliza-se o dedo sobre a pele até encontrar-se a lâmina cricotireoídea que fica entre as cartilagens cricóide e tireóide. Após a localização do espaço correto usa-se o bisturi para fazer uma incisão sobre a pele, a pequena camada de gordura sob a pele e a própria lâmina cricotireoídea, assim constrói-se um caminho entre o ambiente externo e a traqueia da vítima. É necessário, as vezes, a utilização de um instrumento para aumentar o calibre da incisão para que a cânula de traqueostomia seja introduzida.
Após realizado o procedimento, iniciamos a ventilação do paciente oferencendo uma concentração de oxigênio de 100%, com isso a freqüência cardíaca voltou a subir e o paciente foi estabilizado, fizemos um curativo compressivo na lesão que sangrava muito em seu crânio e já não havia outras lesões que comprometessem a vida do paciente. Embarcamos o politraumatizado e após autorização da regulação médica partimos para o hospital.
Os hospitais brasileiros estão superlotados
Ao chegarmos no hospital, o médico de plantão não deixou que desembarcássemos o paciente pois não havia “vagas”no PS, o local estava superlotado, entretanto nosso paciente estava muito grave e o sangramento do crânio necessitava de ser refeito pois estava intenso. Fizemos um novo curativo e deslocamos nossa ambulância para outro hospital onde o acidentado foi atendido, entretanto horas depois fomos informados que ele havia falecido.
Nosso paciente era jovem e morreu muito rapidamente, não possuia doenças crônicas, enfim, era um ser humano perfeito para tornar-se um doador de órgãos e foi o que a família fez, autorizou a doação.
“Deus escreve certo por linhas tortas”
A grande reflexão que fiz naquela época é que as vezes, mesmo que nosso paciente morra, se fizermos nosso trabalho bem feito diversas outras pessoas conseguirão sobreviver mais e muito melhor, em um caso como esse não conseguimos ajudar ao homem que teve uma lesão cerebral tão grave que impossibilitou sua sobrevivência, mas nossas ações fizeram com que outras pessoas tivessem uma história muito melhor, no final é como diz o ditado: “Deus escreve certo por linhas tortas”.