Primeiros Socorros – Engasgamento
fevereiro 10, 2017
Olá, nosso primeiro texto chame-se Torniquete.
Hoje começaremos a conversar sobre questões relacionadas a saúde, entretanto nosso foco de discussão serão conceitos relacionados a primeiros socorros. Nosso objetivo é fazer com que o leitor possa não apenas resolver questões simples quando estiver em uma ocasião de emergência, mas refletir a respeito de questões que possam evitar o transtorno propriamente dito.
Ainda me lembro…
Quando era criança, aos oito anos de idade sofri um grave acidente que quase tirou minha vida, provavelmente não teria sobrevivido para chegar ao hospital caso minha mãe não tivesse feito um torniquete para conter o sangramento que se iniciou em meu braço direito após cortar a artéria braquial em uma porta de vidro.
Eram aproximadamente 19h00, em casa estávamos meu irmão com 7 anos de idade, minha irmã com 13, minha mãe e três amigas de minha irmã, brincávamos de esconde-esconde e decidi me esconder na cozinha. No momento em que minha irmã me procurava pulei a janela da cozinha e quis dar a volta na casa para entrar pela porta da sala, que dava acesso ao local pré determinado para nos “salvarmos” na brincadeira. No momento em que eu me aproximava da entrada da sala, minha irmã percebeu que eu iria entrar para me salvar e imediatamente correu em direção a porta para fechá-la, corri também para entrar e nesse momento a porta foi fechada.
Infelizmente em frente a porta havia um tapete, foi nele que escorreguei e para não bater o rosto no vidro, coloquei a mão em frente ao corpo. Em alguns segundos a porta branca estava coberta pelo meu sangue vermelho e quente, com forte cheiro de metal característico do sangue humano. Ao retirar o braço da porta danificada, o sangramento se fazia em forma de jato, percebi que havia me machucado de uma maneira muito grave, muito mais séria do que qualquer outro acidente que eu já tivesse vivido na minha pequena existência de menino arteiro.
Minha mãe superprotetora fez um torniquete
Ironicamente eu havia me machucado em frente minha mãe superprotetora, ela que sempre teve receio do perigo das brincadeiras de rua. Quase que de imediato minha mãe ordenou que meu irmão retirasse a camiseta, e fez um torniquete próximo da minha axila direita! Minha mãe salvou minha vida, sem nunca ter realizado um curso de primeiros socorros, instintivamente realizou o procedimento correto e no tempo adequado, um torniquete improvisado, não fosse isso, hoje esse texto não existiria.
Após conter o sangramento, minha mãe ordenou para que meu irmão de 7 anos segurasse meu braço e continuasse apertando o torniquete, enquanto procurava as chaves do carro para irmos ao hospital. Com o nervosísmo não conseguiu encontrá-las, por isso, seguimos andando em caminho ao pronto socorro, os vizinhos que possuíam carro não queriam dar carona pois eu poderia sujar o veículo com meu sangue… Após caminhar por algum tempo conseguimos uma carona e partimos para o hospital municipal de Joanópolis.
No hospital
Ao chegarmos no pronto socorro o médico fez a avaliação inicial e ao perceber sinais de choque hemorrágico sequer desfez o torniquete instalado em meu braço, apenas apertou ataduras sobre o dispositivo que salvou minha vida e me encaminhou com uma ambulância simples. A ambulância era uma Parati branca, das antigas, o mesmo modelo usado por funerárias, muito diferente das ambulâncias modernas utilizadas pelo SAMU nos dias de hoje. Fui encaminhado ao município de Piracaia sem o acompanhamento médico durante o deslocamento, visto que naquela época a estrutura da rede de emergência não permitia que o médico deixasse o hospital para acompanhar um paciente. A tripulação da ambulância eram o motorista, minha mãe, que insistentemente dizia para que eu não dormisse, e meu irmãozinho, lembro de sentir muita sede e muito sono.
Por coincidência, no mesmo dia em Piracaia estavam reunidos em um churrasco comemorativo diversos cirurgiões, inclusive meu pai, que festejavam a vitória do cirurgião, Dr. Célio Gayer, para prefeito da cidade. Este acidente acabou com esta comemoração e deslocou todos os cirurgiões para a Santa casa de Misericórdia de Piracaia.
Achei que ia morrer
Lembro-me que quando cheguei na emergência de Piracaia meu pai veio me receber e tentou palpar meu pulso radial, recordo também que imediatamente após tocar em meu punho meu pai disse que tudo ficaria bem, mas percebi que ele se virou chorando. Esta foi a primeira vez em minha vida que pensei que iria morrer, mais tarde soube que apesar de ser um cirurgião acostumado a atender traumas muito graves, meu pai não teve condições de entrar na sala de cirurgia. Fui então operado pelos cirurgiões, doutores Célio Gayer, creio que foi a última cirurgia que fez em vida, Eduardo Freitas, meu professor na faculdade de medicina e Dr Fernando Nogueira, hoje meu colega de trabalho no SAMU Regional Bragança.
Tive muita sorte e acredito que o tal torniquete e todo este evento sejam responsáveis pela minha decisão em ser médico socorrista, hoje tenho a possibilidade de ajudar a garantir que crianças machucadas, bem como adultos e idosos, não dependam da sorte para sobreviver, seja nos atendimentos de resgate como médico, seja ensinando pessoas leigas os princípios básicos de primeiros socorros. Espero, de coração, que muitos torniquetes ainda sejam colocados para que muitas outras pessoas possam sobreviver para ajudar a construir nossa sociedade e transformá-la em um lugar mais justo para se viver.
Importantes reflexões:
- Conhecimento da técnica de utilização de torniquete;
- Cuidados com objetos cortantes em casa (portas de vidro, espelhos, vasos de flores, etc);
- Cuidados com tapetes sem material anti derrapante;
- Bom relacionamento com a vizinhança e construção de uma rede de apoio mútuo para problemas cotidianos como acidentes, assaltos, etc.
- Aquisição de kit de primeiros socorros.